Daydream.

Joonghyuk membuka pintu apartemen nya secara perlahan. Hanya kesunyian yang menyapa nya. Kemudian, ia masuk seraya membuka sepatu nya dan mulai menyalakan lampu ruangan. Kaki nya melangkah ke dapur…

Smartphone

独家优惠奖金 100% 高达 1 BTC + 180 免费旋转




A casa

Era noite quando chegamos a casa do vovô, depois de 8 horas de viagem estávamos todos cansados de tanto tempo num carro cheio, cheio de pessoas e cheio de emoções. Fui direto para o quarto que me foi designado e apaguei, sem prestar atenção alguma àquele lugar. Foi só na manhã seguinte, quando abri os olhos devagar, dando um momento ao meu cérebro para perceber onde e quando estávamos, que reparei ao meu redor, antes de me levantar, nesses instantes entre o acordar e estar em sã consciência, acho que viajei no tempo, consegui ouvir a vovó falando lá embaixo, dando ordem às minhas tias na cozinha, senti o cheiro do mingau que só ela vazia, o aroma do café delicioso como em nenhum outro lugar. Mas o que mais me tocou foi que ouvi a risada dele, estava provavelmente na cozinha roubando pãezinhos e levando um tapa na mão. Ah, como eram deliciosas essas briguinhas do vovô e da vovó, brigas de carinho mútuo. Foi aí que voltei a mim, para meu tempo, sentindo a dor de sua perda. Dei um pulo da cama, direto para o banheiro tentando não pensar muito, com estranheza percebi alguns azulejos faltando, desci e, na cozinha estava a tia Emília cabisbaixa, quando me viu disfarçou e sorriu e me deu um abraço tão carinhoso, eu estava realmente precisando de um naquela manhã. Não pude deixar de ver os armários atrás dela, portas tortas, com a tinta já gasta. Peguei meu café, e fui andar pelo jardim, passando pela sala foi quando senti a maior dor, paredes descascando, móveis cheios de poeiras, o piano que ele tocava tão docemente, perdera seu brilho e estava coberto de pó, cena de filme triste. Ali não aguentei, sentei e chorei.

Meu avô era um homem doce que a vida endureceu, era carinhoso mantendo certa distância para não demonstrar tantos sentimentos, na época dele mostrar amor e cuidado era sinônimo de meninos fracos. Uma coisa que ele era muito, e tinha orgulho disso, era um excelente protetor do seu lar, seja da casa seja das pessoas. Era daquele que abrigava a todos, tudo sempre impecável, estava aberto a quem quisesse entrar( Como meus tios conseguiram deixar a casa chegar àquela situação? E tudo por briga de herança…) Meu avô pintava as paredes a cada dois anos, com a mesma cor, coisa que nunca entendi, sendo a mais espoleta da família, eu sempre desejei por um pouco mais de energia, talvez uma cor diferente por ambiente, mas ele não, sempre aquele bege fosco, mas sempre renovado, e com o melhor pintor da cidade. Com sua caneca de café na mão revisava todo trabalho, passava em todos os quartos e salas conferindo a pintura. Aquelas paredes diziam muito sobre meu avô, um homem simples, acolhedor, sempre impecável em suas vestes. Acho que até após sua morte essas paredes falam sobre ele, falam que o tempo o venceu, o tempo pega até os mais corretos dos homens, o tempo pega até a mais cuidada das paredes.

Me levantei, enxuguei o rosto e tomei uma decisão, daria um jeito de resolver essa briga de família, essa casa seria minha, nem que gastasse todas minhas reservas e meu latim tentando convencer a meus primos e tios. Eu traria alegria nova àqueles ambientes, respeitando o legado de meu avô, trazendo a essência de nossa família, trazendo toda nossa história, com um toque de cor meu, é claro. Voltei para a cozinha para pegar mais um café, ah eu adoro café.

Minha tia e dois de meus primos se implicavam e riam, eram seus filhos Túlio e Rebeca, um, meu primo favorito, a outra a que mais quis distância na vida, desde criança, ela e eu vivíamos às turras. Naquele instante vi os olhos de tia Emília se iluminados novamente, percebi que sua tristeza era maior que a perda de meu avô, era a distância dos filhos que mais mexia com ela. Quando me avistaram logo pararam de rir e os três no mesmo ritmo se viraram para mim. Antes de entrar, pensei se realmente queria interferir naquela dinâmica de mãe e filhos. Ah, não posso mentir aqui, não nas minhas próprias memórias. Parei mesmo para pensar se queira encarar o olhar de rejeito de minha prima. Respirei e fui. Peguei meu café olhando pela janela grande e aberta em cima da pia, lá fora os pequenos brincavam, acho que não entendiam porque estávamos lá, aproveitavam o espaço aberto, corriam com energia e alegria. Era curioso ver como tinham tanta vida, como traziam tanta luz para aquele terreno quando justamente o que nos uniu ali foi a morte. A morte de meu avô. Perdida nos meus pensamentos estava que nem vi quando minhas outras duas tias e o tio Maurício entraram na cozinha. Ao vê-los dei um pulo com a xícara na mão e derramei algumas gotas de café no chão. Todos riram. Cozinha cheia e com risadas, acredito que nesse momento meu avô festejou no céu, a família unida e a cozinha cheia sempre foi a maior alegria dele. Uma das crianças entrou gritando que estava com fome, e que queria um bolo ( deve ter sido meu avô que iluminou a cabecinha dele com ideia tão genial). Nos entreolhamos todos com o mesmo pensamento, temos que fazer o bolo “Fura Bolo”. Era a especialidade da minha avó, e não comíamos há anos. Toda vez que chegávamos na casa da minha avó, ela fazia esse bolo para nós. Se vinha um neto, ela assava um bolo, se vinham doi, eram dois bolos, três, três bolos e assim ia. Parece loucura, eu sei, mas a graça era essa, vínhamos correndo, nos amontoando na pia do lavabo brigando para lavar as mãos, o sabão caia no chão, molhávamos tudo, e ela ficava só observando e sorrindo, sem brigar e nem incentivar a bagunça, pensando agora, acredito que ela fazia o bolo já contando com essa euforia no banheiro, já fazia parte do encantamento por aquele alimento tão simples. Era parte do serviço de entrega do prato. O nome do bolo já conta o resto da história, ele era feito para furarmos com nossos pequenos dedinhos aquela massa fofinha, não sei os outros, mas eu colocava do dedo bem devagar, ia sentindo meu dedo descer milimetro a milimetro, tocando os buraquinhos aerados com calma, até chegar ao fundo. Só aí eu puxava um pedacinho, um farelo na verdade, e provava, macio, leve, doce na medida certa para o paladar de uma criança. Alguns de meus primos já comiam metade ali mesmo, eu não, adorava guardar para comer aos poucos. Foi assim em toda nossa infância e adolescência.

Aquele pedido de bolo foi como um suspiro. E nos deu força para começarmos aquela manhã, para começarmos finalmente a trabalhar juntos. Chamamos quem faltava para a cozinha ficar completa. E o preparo? Foi como se tivéssemos voltado a ser crianças, trabalhamos juntos, todos misturamos um pouquinho, voou farinha no chão, afinal com tantas mãos não há como ser diferente. As novas crianças da família puderam finalmente ver aquele forno em ação, e ver como já fomos animados um dia, antes das brigas por herança começarem.

Ninguém quis almoçar na hora certa, comemos tanto bolo que fomos preenchidos no corpo e na alma, no silêncio sentei nos degraus da saída da varanda, com algumas caixas no colo, as encontrei na estante do corredor, caixas de sapato, havia muitas delas; no primeiro momento achei que fossem sapatos antigos da vovó, quando abri, vi que eram tesouros que o passado nos mandou. Vovó sempre foi uma excelente dona de casa, cuidou de cinco filhos com muito amor. Ela falava manso e nunca terminava uma briga com as crianças sem ouvir o lado delas da história, até quando seus filhos aprontavam ela tentava ouvir o argumento deles com calma. Depois que os cinco começaram na faculdade, ela decidiu que era sua vez de seguir seus sonhos, começou a estudar fotografia. Alguns foram contra, uma mulher naquela idade não deveria ir para rua estudar, o que iam dizer dela? E o marido? Ficaria largado em casa? Meu avô a apoiou, e ela assim o fez. E foi isso que nos permitiu receber do passado o livro de nossas vidas contado em imagens. Não eram tantas fotos como as que são tiradas nos dias atuais, quando cada pessoa tem uma potencial câmera fotográfica na mão. Abri a primeira caixa, minha prima Laura sentou na escada ao meu lado, me olhou de canto de olho com a primeira foto nas mãos, choramos juntas instantaneamente. Não paramos por conta das lágrimas, essas logo viraram risadas , histórias, mais lágrimas. Começaram a perceber nosso burburinho, Túlio se juntou a nós, atrás dele Marina e Júlia. Rebeca demorou um pouco mais, acredito por não querer ficar perto de mim. Mas quando reparou o que fazíamos, nem ela resistiu. Assim, pela segunda vez no mesmo dia ficamos juntos numa atividade. Uma das fotografias nos fez calar a todos, nem as lágrimas desciam, foi um vácuo de barulhos e gestos. Nós oito na imagem, só Júlia olhando para câmera, o resto de nós com nossas implicâncias mútuas. Hugo e Bernardo ali sorrindo, brincando, nenhum de nós poderia imaginar naquele momento que quando adultos escolheriam não estar na nossa presença. A vida passa e nos mostra lados das pessoas que não conhecemos, mesmo de quem achamos que são íntimos. Ali naquelas caixas encontramos muitas festas, Natais (meu feriado favorito), Páscoas, dias aleatórios que não sei quando foram, nos vimos com todas as idades. com todos os tamanhos, vimos quando Marina ainda era a menorzinha de todos, vimos quando ela esticou e passou em tamanho até ao Hugo, o mais velho do grupo. O que mais me surpreendeu foi ver Rebeca e eu, juntas, brincando naqueles gramados, correndo, rindo, nos divertindo. Nas minhas memórias não encontrava esses momentos, só me recordo de não gostar dela. A memória prega peças na gente. Quando será que paramos de nos falar? nem me lembrava mais.

O fim de tarde chegou e só assim nos demos conta do tempo que passamos nos deliciando com nosso passado. Laura, uniu todas as nossas mãos, e agradeceu a vovó. Senti uma paz. Me recolhi no meu quarto, não quis enfrentar o jantar e acabar com o sentimento leve que eu estava. Deixei para o dia seguinte encarar a tensão da briga pelos bens. Será que Hugo e Bernardo dariam o braço a torcer e se uniriam a nós?

Já acordei com burburinho e dessa vez não eram minhas lembranças de outros tempos. Me troquei rapidamente e desci. Túlio estava ao piano, adoro vê- lo tocar, como ele tem dedos leves e consegue fazer qualquer melodia ser tão doce. Júlia com o vestido azul da vovó, só ela poderia usar aquela roupa, somente ela tinha o corpo certo, Júlia é a cópia da mãe de sua mãe. O engraçado é que a tia Cecília, mãe de Júlia, não se parecia em nada com a vovó. Hugo tinha chegado, do jeito que ele gosta, chamando a atenção de todo mundo com seus presentes caros e histórias de outros países. O que parecia ser uma imagem linda me dava raiva. Raiva da Júlia que se achava no direito de usar o vestido que a vovó foi na minha formatura, raiva de Hugo que nunca fala com a gente, que se acha melhor por morar fora, raiva dele querer e conseguir atenção toda vez que faz chegadas triunfais. Raiva do vovô não estar mais entre nós. Não tive outra opção senão me juntar a eles, fingi meu melhor sorriso, não podia deixar transparecer minha raiva. Hugo foi se chegando de braços abertos e carregado com duas sacolas, eu só pensava que ele queria me comprar com mais bobagens, dei o abraço mais rápido que consegui e me dediquei a minha cara de boa menina enquanto abria os pacotes. É, ele me conhecia um pouquinho conseguiu trazer um cachecol com minha cor favorita, mas onde eu usaria tal presente, moramos em um lugar onde o calor rouba do frio até os dias de inverno, e visitá lo em sua montanha maravilhosamente branca nos Alpes eu não iria mesmo. Por outro lado, se eu ficasse bem com ele, talvez fosse mais fácil convencê-lo a sair dessa briga insana pela casa, poderia fazê-lo ficar do meu lado nessa briga. Aceitei o presente, mas não pude disfarçar meu incômodo com toda a situação por muito tempo, depois que todos começaram a descer e ocupar a sala de música com suas danças e conversas fiadas, Tia Emília tinha seus dois filhos por perto novamente, tia Cecília suas filhas e netas, tia Maria não estava com toda família porque Bernardo ainda preferia ficar longe de nós, mas lá estavam Laura com seu bebê, até tio Maurício, que não via o filho há anos dessa vez o tinha por perto, e eu estava lá, sozinha, me sentindo tão desamparada e fraca, saí correndo, abri o portão sem muito pensar e corri e corri até tropeçar e cair. Com mais raiva fiquei, era bem a minha cara, cair, ficar por terra, suja naquela estrada sem asfalto do interior, chorei por vários minutos sentada ali de cabeça baixa. Um som começou bem baixinho e foi aumentando, olhei e era Túlio gargalhando e caminhando em minha direção. Como foi gostoso ver o sorriso dele. Sem falar nada se sentou ao meu lado no chão e ficamos por mais um tempo calados só sentindo aquele momento. Antes de nos levantarmos ele me contou que minha saída abrupta relembrou à família o motivo de estarmos ali e que o quanto antes resolvessemos tudo, melhor seria para todos. De mãos dadas voltamos andando para a casa do vovô.

Aqueles passos na rua de terra me levaram mais uma vez há muitos anos atrás. Quantas vezes andei por aqueles caminhos com Túlio, naquela época andávamos um pouco mais displicentes e bêbados. Nossas férias de verão se misturavam com as curvas daquela estrada. Foi indo e vindo por essas ruas que descobrimos as maravilhas e desesperos da vida de adolescentes. Algumas vezes compartilhamos as mesmas histórias e fatos, outras somente dividimos com o outro os acontecimentos que vivemos em nossas respectivas casas. Túlio sempre foi muito mais que meu primo, foi meu melhor amigo, meu confidente, meu primeiro em algumas coisas também, mas essa parte é melhor deixarmos no passado.

Chegou o momento para o qual todos nós viemos, a conversa sobre a casa, sobre o lar que já nos uniu e agora nos separa. Escolhemos a mesa grande de madeira de fora da casa, lugar onde dividimos muitos churrascos, lá seria onde melhor acomodaria tantos de nós. A noite estava morna com céu aberto e a lua iluminava todo jardim. Marina sempre tão doce vinha com a filha nas ancas do lado esquerdo e com uma mesinha branca de plástico para as crianças se acomodarem perto de nós na outra mão. Tia Marina e tia Emília fizeram quitutes para todos os gostos infantis deixando assim os quatro bem distraídos e ocupados por bastante tempo. O bebê de Laura ficou no carrinho dormindo perto de nós. Os maridos de minhas primas, e a ex esposa de Hugo não foram chamados para a mesa principal e precisaram se acomodar por perto das crianças. Tia Cecília chegou com uma cesta de frutas nas mãos e tio Maurício com 5 garrafas de vinho. Nem parecia que era para uma batalha que nos preparávamos. Por horas tentamos de tudo para chegarmos a um acordo que agradasse a todos. Entramos pela madrugada, e só as cinco garrafas não foram suficientes. Hugo insistia em vendermos a casa para sua grande empresa de construção, Bernardo que nem se deu ao trabalho de vir só mandava mensagens pedindo mais dinheiro. Rebeca, assim como eu queria comprar a casa para ela, claro que seria ela a atrapalhar meu sonho de reformar e dar vida novamente àquelas paredes. Tinha que ser mais uma vez Rebeca em meu caminho. Júlia me decepcionou, nem queria saber de nada, só desejava se livrar daquilo tudo. Ficamos no impasse por muitas horas. E já exaustos decidimos dar um tempo a discussão sem nada resolver. O feriado estava quase terminando e não parecia que chegaríamos a uma conclusão tão cedo. Não fui deitar na minha cama, a grama me chamou para perto dela e por lá mesmo fiquei. Quando despertei vi Marina perto de mim ainda com sua taça nas mãos,sentei ao seu lado apoiando minha cabeça em seu ombro, sua altura era perfeita para me encaixar. Ela me disse que queria me apoiar na compra da casa e, que como eu, sonhava em ver aquele lugar com vida e alegria novamente. Porém, não podia ficar ao meu lado e contra Rebeca, elas eram muito próximas e isso magoaria demais uma de suas primas favoritas E que como eu já havia feito isso na infância, escolher meu lado ao invés do dela afastaria Rebeca de vez da família. Levei um susto enorme. Como assim por minha causa? Só me lembro de não gostar de Rebeca a vida toda, e nunca soube o porquê. Dessa vez foi Marina que se assustou, como eu não poderia me lembrar daquele Natal? Se até ela que na época era tão pequena tinha memória viva da noite mais impactante da nossa infância? Marina, incrédula, se levantou e entrou na casa. Fui buscar por Túlio, meu único porto seguro na família desde que mamãe se foi. Mas todos já dormiam e fiquei mais uma noite sem saber.

Na manhã seguinte fui a primeira a acordar, todos ainda estavam sob o efeito de tantas garrafas de vinho. Fiz o café sozinha, preparei a mesa como minha mãe fazia para mim nos dias dos meus aniversários, com os melhores utensílios e comidas que eu mais gostava. Peguei a toalha branca bordada, os melhores talheres, bem, usei os melhores que pude encontrar naquela casa abandonada, os pratos do casamento da vovó, guardados sempre para uma ocasião tão especial que o dia do uso nunca chegou. Assei dois bolos, e saí para comprar os pães, a padaria não era pertinho, mas não era longe a ponto de eu pegar o carro, fui caminhando sem fones de ouvido, que estavam sempre comigo nas minhas caminhadas na minha cidade, nesta manhã eu precisava ouvir a mim mesma, à minha consciência e às minhas memórias. Enquanto andava busquei em todos os cantos do meu ser, tentei me conectar não só com meu cérebro mas também com todos os meus sentidos, buscando em mim o fato que minha memória fez questão de apagar. Sentindo a terra entre meus dedos, já que saí de chinelos, lembrei de areia e meus cabelos embolados, mas foi só um flash. Pensei em vários Natais que passamos ali na casa juntos, antes e depois da mamãe falecer, e nada vinha de concreto especificamente sobre o Natal certo. Mais alguns passos e fitas coloridas apareceram na minha mente, muitos presentes, risadas altas. Mas isso era comum sempre nos Natais. Vi vovô triste, engraçado, ele estava sempre rindo no Natal. Vi uns papéis amarelados no escritório. Mais uma vez tudo se desfez e perdi as memórias. O que poderia ser tão traumático para Rebeca e tão irrelevante para mim a ponto de eu não lembrar? Fui e voltei da padaria sem nem sentir, toda voltada para dentro de mim. Ainda dormiam, um silêncio que ficava entre paz e terror, como se todos estivessem em outras dimensões. Por segundo acho que eu que me transportei dali para nosso passado, voltei a mim com um choro de bebê, que alívio estava tudo normal.

Laura desceu e logo atrás veio Júlia, sim, Júlia era a prima certa para eu perguntar, mais velha que eu, teria uma memória mais acertada do que se passou. A recebi com uma xícara de café e a convidei para a sala de música, sentadas lado a lado nos olhamos profundamente. Laura próximo a nós amamentava seu bebê. Fui direto ao assunto e joguei sobre ela a pergunta: o que tinha acontecido? E em que Natal foi? Quantos anos eu e Rebeca tínhamos? Laura olhou para Júlia e começou a falar, ela também não se lembrava ao certo, Júlia concordou que ela tão pouco. Mas foram juntando lembranças que tinham e foram me contando. No final rimos juntas, e com o passar da história, fui lembrando de alguns detalhes também, era tudo coisa de criança, e por esse motivo ninguém acreditava que seria somente esse a questão entre nós duas, foi daqueles casos que uma picuinha boba leva a outra e a outra e no final você já nem sabe mais o porquê daquilo mas já está preso observando só o lado que você menos gosta na pessoa e passa a julgá la somente por farelos de sua personalidade. Começou como uma bobeira de criança, mas até criança às vezes diz e faz coisas que machucam, e por isso, quando Rebeca desceu, corri até ela e pedi desculpas, como deixamos crescer tanto uma briga que começou num Natal há tantos anos atrás? Éramos todos pequenos ainda, tínhamos chegado para as férias de fim de ano na semana anterior, a primeira semana era sempre a mais confusa, agitada e maravilhosa, a intensidade do reencontro com os avós e com os primos, comer nossos bolos fura bolo, correr escadas acima e abaixo, ver as plantas que cresceram no quintal, era tudo novo de novo. Na segunda semana começávamos a usar mais nossas imaginações e inventar histórias e era quando formávamos os grupinhos, o primo um queria brincar com o primo cinco, o primo quatro não podia entrar na brincadeira, era assim que iniciavam as disputas e confusões, geralmente os grupos se formavam e se reformulavam várias vezes durante as férias. Todos acabavam brincando com todos. Naquele ano, Rebeca havia trocado de escola e tinha feito uma amiga nova em sua cidade natal, e não parava de falar dela na primeira semana todinha. O tempo todo pedia para sua mãe se poderia ligar para a menina, queria mandar cartão de Natal, cartinha com fitas coloridas coladas, escrevia com canetinhas cheirosas, que era o ítem mais importante no estojo de qualquer menina popular naquela época. Eu olhava de longe e morria de ciúmes, porém fingia não me abater. O que mais me magoou foi ela utilizar a canetinha laranja, com brilho! A que eu mais amava, meninas nessa idade não gostam, elas amam suas coisas, e eu amava a canetinha laranja que Rebeca tinha e a primeira carta que ela fez utilizando o ítem tão maravilhoso não foi para mim e sim para a tal amiga nova. Por conta disso, fui até a gaveta do escritório do vovô onde a vovó guardava as fitas coloridas para os presentes de Natal, e rasguei todas as

que corresponderiam aos presentes de Rebeca, larguei os pedacinhos espalhados pelo escritório e saí de fininho. Quando o vovô viu ficou bastante chateado, reuniu todos os netos e perguntou quem foi, ninguém se manifestou, eu não tive coragem de me acusar e nem acusar Rebeca na frente de todos, mas naquela mesma tarde fui até ele e disse que vi Rebeca entrando em seu escritório. Por conta disso ele a deixou de castigo por toda tarde. Era um motivo bobo para um castigo, porém por infeliz coincidência, ele estava naquela semana com algumas perdas financeiras em seus negócios, devido a alta inflação do período, e deixou o estresse se intrometer na reprimenda pela brincadeira de criança. Fui denunciada como delatora de Rebeca pelo próprio vovô ao anunciar o castigo, e assim começou a birra entre nós duas.

Todos começaram a descer, inicialmente vinham chateados por nossas conversas na noite anterior, mas viam a linda mesa de café que eu tinha preparado e desarmavam um pouco seus corações. Aproveitei a manhã para conversar bastante com Rebeca e Túlio, engraçado que não lembro de ter tido um momento tão delicioso com eles há uns vinte anos. Por alguns segundos parei, olhei em volta, respirei fundo e comecei a chorar. Como era linda aquela mesa cheia e alegre. Apesar de não ter sido combinado, todos sentiram minhas emoções, e se uniram nos choros e risadas. Foi o ponto mais alto desse nosso encontro. Seguimos o dia indo a cozinha preparar um banquete para aquela noite, faríamos uma festa para celebrar nossa união, mesmo com tantas diferenças entre nós, éramos família, tínhamos uma linda história que nos unia e muito amor um pelo outro, era só abrir nossos olhos para o que cada um tem de bom ao invés de cavar as sombras dentro de nós. Tio Maurício saiu com Laura para providenciar algumas, ou melhor, muitas garrafas de vinho.

Ao escurecer, nos reunimos na sala de música. Dançamos. Tiramos fotos. Rimos. E tivemos a fatídica conversa, entretanto, agora, todos com as almas abertas, e sendo assim chegamos a um acordo. Eu e Rebeca ficamos com a casa, os outros dividiram outros bens e os negócios do vovô.

Nem lembro como e que horas fui para meu quarto, só sei que acordei bem tarde no dia seguinte. Tia Maria já tinha ido embora, Laura arrumava seu carro para ir também. Túlio me esperava na cozinha com uma xícara enorme de café, era tudo que eu precisava. Com o coração realizado e muito mais feliz do que cheguei, sentei na porta de casa sentindo o frescor da manhã. Como o ar ali era mais fresco que na minha cidade. Aproveitei alguns minutos de uma quase meditação, só aí me dei conta que tudo ali naquele jardim agora era meu, que precisava providenciar muitas melhorias, e reformas. Tudo precisava estar pronto para o Natal. Nossos Natais voltariam a ser ali, animados como os de antigamente, com as novas crianças da família e com todas as outras que viriam. Túlio e Rebeca pararam atrás de mim com suas largas xícaras, apoiados nos batentes da porta. Eles estavam lá para me apoiar e eu a eles. Juntos traríamos aquele lar de volta à vida.

Além do Natal combinamos de ter mais uma data de festa em família, todos os anos nesse mesmo dia nos juntaríamos para celebrar nossa união, porém seria cada ano num lugar, numa casa, num país, onde existisse algum de nós, os outros iriam conhecer e dividir vivências. É, enfim eu usaria o cachecol laranja que ganhei.

Add a comment

Related posts:

Deposit Pulsa Tanpa Potongan

Saat ini perjudian sedang marak di Indonesia karena cara bermainnya sangat mudah dan menjanjikan kemenangan dengan hadiah yang besar. Mulai dari Judi Bola, Judi Casino Online, Judi Slot Gacor atau…

My Internship Experience at Vernacular.ai

An internship is an opportunity for every undergraduate student. It allows them to put theory into practice. Here is Kartikey narrating his experience at Vernacular.ai